Lá no finalzinho da década de 80, uma turminha de músicos estavam putos com certos artistas que vendiam sua alma para o merchandising – quando uma série de anúncios da Michelob contava com artistas de rock contemporâneos, tais como Eric Clapton, Genesis e Steve Winwood – e para piorar, o último VMA da década tornou-se um campo de batalha de proporções quase épicas. A Pepsi patrocinou a categoria de Escolha do Público, que foi para Madonna e sua catacumbe nuclear chamada “Like a Prayer”, uma canção que havia sido estreada em um anúncio da… Pepsi. Obvio, não? Porém, ironicamente, o prêmio de Vídeo do Ano foi para “This Note´s For You”, um hit que marcaria o retorno do rabugento (no bom sentido, ok?) do rock, Neil Young aos holofotes. E sabe porque?
Humoristicamente e coincidentemente, o clipe mirava na nova onda pop das grandes corporações – parodiado o rock corporativo e as consequências da publicidade – uma tendência que está presente até hoje no cenário pop mundial. A canção que dizia “Ain’t singing for Pepsi/Ain’t singin’ for Coke” (“Não canto para a Pepsi/ nem para a Coca-Cola) era uma doce vingança para Young, cujo vídeo foi inicialmente proibido de ser exibido pela MTV após ameaças legais de advogados de Michael Jackson e também pelo uso não autorizado de marcas corporativas como as já citadas anteriormente, Miller e a Budweiser (cujo titulo da faixa foi inspirada no slogan “This Bud’s For You”).
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Por um lado, enquanto poderia haver algo louvável na decisão da MTV de não querer contaminar a arte do videoclipe com a colocação de produtos, “This Note´s For You” era tudo menos um endosso. E foi por isso que Young e seu empresário, Elliot Roberts acreditavam que a escolha da rede de proibir o clipe tinha mais a ver com não querer arriscar ferir os sentimentos de seus patrocinadores. Young escreveu uma carta aberta para a rede em 6 de Julho de 1988, que dizia:
“MTV, seu pirralho covarde.
Você se recusa a exibir “This note´s for You”, porque você está com medo de ofender seus patrocinadores.
O que significa o “M” no MTV: a música ou o dinheiro?
Longa viva Rock and Roll.”
O único canal que decidiu transmitir o clipe sem medo de um processo foi o canadense MuchMoreMusic. Depois de se tornar um sucesso no MuchMusic, a MTV percebeu que tinha um trunfo nas mãos e reconsiderou sua decisão, colocando-o novamente em alta rotação.
O clipe de Neil Young coloca-se como a resposta absoluta ao apelo de propagandas por criar uma imagem de bandas que pensam e se colocam como uma marca em detrimento da integridade artística. “This Note´s For You” foi o videoclipe que exigiu esta análise da relação entre propaganda e música moderna.
Artistas como Young e Bruce Springsteen nunca permitiram suas canções de serem utilizadas em comerciais, sentindo que essa atitude baratearia a sua integridade artística. Muitos outros artistas, como os gigantes The Who e The Rolling Stones, ganharam fortunas, deixando as empresas utilizarem suas canções. Alguns artistas de rock clássico, como o americano John Mellencamp resistiu por anos, mas permitiu que suas músicas fossem utilizadas para fins comerciais quando eles perceberam que era a melhor maneira de divulgar suas músicas.
Porém, se você assistir ao vídeo hoje, vai perceber que, enquanto as referências podem parecer datadas, a mensagem ainda continua pertinente e atual: aceitar patrocínio corporativo ainda é visto como se vender para o sistema?
A indústria da música era muito diferente em 1988. Os artistas ganhavam fortunas com as vendas de discos e turnês, tanto era que ter sua música em comerciais parecia ganancioso. Hoje, com a diminuição de oportunidades de gerar lucro para a música (pirataria, streaming etc.), esse tipo de ligação comercial acaba por ser uma necessidade para o artista ganhar dinheiro com sua música.
Neil Young acabou rindo por último, quando ganhou o Vídeo do Ano no MTV Video Music Awards de 1989. Entretanto, décadas depois, a mensagem ainda faz sentido? Talvez não, mas no finalzinho da década fez um bocado de barulho.
Diretor: Julian Temple | Ano: 1988
Curiosidades:
O vídeo se tornou famoso por incluir uma divertida paródia de Michael Jackson e o trágico episódio que ele queima o cabelo durante as filmagens de uma propaganda da Pepsi. Whitney Huston e o famoso cachorro Spuds McKenzie que marcaria a campanha da Budweiser, também estavam lá.
O vídeo foi dirigido por Julien Temple e escrito por Charlie Coffey. Chegou a receber uma nomeação para um Grammy na categoria de “Melhor Vídeo Conceital” de 1989, mas perdeu para a paródia de “Weird Al” Yankovic de “Bad” do MJ: “Fat”.