Não há nada para ver aqui, a não ser Bowie como ele mesmo, o camaleão do rock irredutível. Mas sua expressão e linguagem corporal são tão ricos como qualquer épico do cinema: olhos sombreados de azul, o penteado que desafia a gravidade, a onda perfeita de seus lábios. O visual perfeito que chocou na época que foi lançado. Em algumas cenas, o seu tom de pele é tão apagado que parece se fundir com o fundo branco.
Apesar do imaginário enigmático da canção, não há dúvidas sobre a mensagem do vídeo: Aqui está um homem que entende o poder do espetáculo.
David Bowie foi uma das mentes mais coloridas, excêntricas e inspiradas do mundo da música. Um inovador, pioneiro e uma inspiração para várias gerações e não há dúvidas de que sua marca será bem lembrada nos anais da história. Sua morte não apenas marcou a perda trágica de um ícone cultural, como também ofereceu uma oportunidade para comemorar sua vida e sua obra.
Desde que surgiu no mercado da música, no finalzinho da década de 60, David Bowie era um ícone: um símbolo sexual, um ícone da cultura gay, o rosto mais famoso do glam rock, um representante da música underground dos anos 70 e 80, o badboy britânico por excelência. Os primeiros anos de sua fabulosa carreira foram construídos inteligentemente por sua identidade e personagens de palco, todos distintos entre si e marcantes. Ziggy Stardust, Aladdin Sane, e depois veio o excêntrico personagem de “Life On Mars?”, um andrógino de outro mundo que marcaria o universo da música para sempre.
O sucesso “Life on Mars”, do álbum “Hunky Dory” (lançado em 1971) chamava atenção pela maneira única de contar a história de uma garota desconhecida, mas o vídeo da faixa, dirigido pelo expert em fotografias de rock, Mick Rock, é o que realmente viria a se destacar. A simplicidade do vídeo musical, em comparação com a complexidade da letra, representava a confusão interna de Bowie.
O vídeo da música começa com um imagem de ângulo fechado dos olhos de Bowie, uma das coisas mais marcantes da sua aparência – devido a uma lesão na infância, Bowie adquiriu uma condição conhecida como “anisocoria”, que desalinha o tamanho das pupílas. Esta condição deixava Bowie um garoto tímido, até mesmo constrangido, e considerava muito embaraçoso chamar a atenção. Ao entender que esta condição chamava tanto a atenção para ele, ele rapidamente estabeleceu a idéia de que ele se via como um tipo de circo.
A roupa de Bowie durante todo o vídeo não muda, mas o significado atrás do terno parece adequado. As cores brilhantes, a cintura marcada; Tudo grita “ícone da moda dos anos 70”. O título da canção é uma reminiscência da obsessão de Bowie com o espaço e a vida extraterrestre, apesar da letra não ter correlação com o assunto.
A maquiagem e as jóias completam esta transformação. A espessa e cintilante sombra de olho e o batom vermelho dão ao rosto uma aparência de palhaço, mas a constante e áspera iluminação limpa sua pele já pálida para um nível cômico. Assim, o terno pastel de repente se torna um acessório para a identidade pierrot que ele desenvolve no final da canção. Assim, em vez de alienígena, vemos uma aberração de circo. Nos últimos segundos, o foco muda para as mãos de Bowie, ao invés de seu rosto, os dois braceletes de prata que ele usa terem a aparência de algemas, sugerindo estar aprisionado pelos padrões sociais, bem como a jovem descrita na canção.
Esta fixação na aparência de outro mundo é continuada através da letra. Bowie descreve um “freak show” e compara a si mesmo a palhaços. Palhaços representam alguém usado para o entretenimento porque eles se destacam da sociedade, bem como Bowie. Uma grande parte de sua fama vem de seus escândalos e apresentações únicas, mas esta imagem mais tarde o forçou ao abuso de drogas e a retirada social.
A garota da música, assustadoramente semelhante às experiências de Bowie, é descrita como fazendo a mesma coisa, como “andar por seu sonho afundado”. Quando Bowie canta a linha “… a garota com o cabelo mousy”, a câmera mostra o cantor por completo, sugerindo que Bowie é a menina em questão. Nesta mesma época ele já estava submerso no vicio em drogas e iniciado a fabulosa e lendária amizade com o ícone do rock Iggy Pop.
Pelo uso de maquiagem brilhante e iluminação em um fundo simples, David Bowie imediatamente atraiu todos os olhos para si mesmo. A letra da canção, que se centram em torno de um jovem protagonista sentindo-se sozinha e sem esperança, muda o tom da música de um de distanciamento para um de isolamento e solidão. O vídeo musical foi o pedido de ajuda de Bowie, mostrando como ele se sentia como uma aberração de circo, nada além de uma exposição a ser escarnecida ou encarada, tecendo a história de uma garota fictícia em sua própria vida real.
Em 2016, um novo video, bem mais emocionante, foi editado com imagens inéditas e restauradas do clipe original sob a direção do lendário Mick Rock.
Um verdadeiro clássico do rock.
Direção: Mick Rock | Ano: 1971