Grandes Diretores de Videoclipes: Hiro Murai

Grandes Diretores | 18 fev 19 - por João Paulo Porto

Quando o polêmico videoclipe “This Is America” do Childish Gambino, chegou à Internet em maio, se tornou um fenômeno inesperado. Suas alusões ao massacre da igreja de Charleston, ao assassinato do garoto em Ferguson e à brutalidade policial pareceram imprimir em video o retrato sombrio dos tempos atuais. Glover ainda acredita que o videoclipe, que já foi visto 435 milhões de vezes no YouTube, seria um fracasso se não fosse a pessoa que dirigiu: seu colaborador de longa data, o diretor de Los Angeles, nascido em Tóquio, Hiro Murai.

O diretor, que tem 35 anos, dirigiu os melhores episódios da série de televisão de Donald Glover, Atlanta, cuja representação de seus personagens que vivem na periferia, não seria a mesma sem a sensibilidade de Murai, que também dirigiu o marcante “Teddy Perkins”, indicado ao Emmy.

Quando tinha 9 anos, seus pais se mudaram do Japão para Los Angeles. O resultado, ele disse, é que sempre se sentiu como um estranho. “Na maior parte do tempo ou estava um pouco desconcertado ou meio que me sentia fora do lugar.” Quando criança, aprendeu inglês assistindo Os Simpsons e Looney Tunes, que adorava porque “os cartoons pareciam reais”. 

No colegial, Murai ficou obcecado com filmes. O diretor japonês Takeshi Kitano se tornou uma referência. Estudou na escola de cinema USC e começou como diretor de fotografia em clipes para bandas como Death Cab For Cutie.

A carreira de diretor realmente começou a se destacar em 2012, quando dirigiu “Cheerleader” da St Vincent. Em 2013 aconteceu a primeira parceria Murai-Gambino com “3005” e desde então, os dois continuaram uma parceria duradoura que resultou no magnífico “This Is America”.

Parte do apelo de seus videoclipes vem de sua oportunidade única de transmitir um sentimento através do abstrato ou surreal; em muitos casos – e muito parecidos com a estrutura de muitos episódios de Atlanta – são trabalhos mais atmosféricos do que narrativas fortes ou coesas. 

Abaixo, listamos os melhor da filmografia de Murai, definida por clipes expressivos, porém únicos, que significam não apenas o desenvolvimento de seu estilo, mas também um retorno à sua autonomia e interesse em buscar parcerias artísticas mais criativas.

St. Vincent: “Cheerleader”

O conceito visual “Cheerleader” é inspirado pela arte e fotografia das esculturas massivas e hiper-realistas do escultor australiano Ron Mueck. O vídeo imagina Annie Clark como uma peça consciente da arte de Mueck, tentando se libertar da exposição em que ela foi exposta. Enquanto os participantes assistem, ela luta contra os arreios que a mantêm no lugar. Embora a escultura acabe quebrada, ela está visivelmente liberta da prisão na qual ela foi forçada a participar. Utilizando perspectivas inusitadas, Murai representa sucintamente o relacionamento de Clark com o estrelato e o anonimato recluso que ela se esforça em manter.

Spoon: “Do You”

Em “Do You” o diretor consegue manter o suspense até o final, enquanto o vocalista do Spoon, Britt Daniel, dirige seu carro tranquilamente em uma Los Angeles que enfrenta a destruição em massa nas mãos de alguns monstrinhos improváveis.

Chet Faker: “Gold”

É impossível fazer um vídeo musical que tenha lugar em uma estrada escura sem fazer comparações com “Karma Police” do Radiohead. É por isso que não é surpresa que muitos dos artigos que falam sobre “Gold” do Chet Faker, faz referência ao clássico de 1997 de Jonathan Glazer. Enquanto “Gold” tem uma vibe e localização semelhantes a ”Karma Police”, Hiro é capaz de criar algo completamente novo e único com esses elementos, adicionando coreografia, estilo e sensualidade sem perder nada do minimalismo ou intriga.

Flying Lotus: “Never Catch Me” ft. Kendrick Lamar

Com o vídeo “Never Catch Me” do Flying Lotus, os protagonistas traduzem as complexas emoções ligadas às alegrias da juventude e a desproporcional violência sistêmica contra as crianças negras nos Estados Unidos, em uma obra de arte visual arrebatadora e agridoce. Há um verdadeiro sentimento compartilhado de raiva, pesar e esperança entre Flying Lotus e Hiro Murai, que aparece nas cenas de duas crianças dançando nos corredores da igreja em seus próprios funerais, simultaneamente lamentadas por sua comunidade e livres de qualquer violência.

Michael Kiwanuka: “Black Man in a White World”

O vídeo de Michael Kiwanuka para “Black Man in a White World” apresenta uma mensagem simples com um efeito duradouro. O vídeo mostra um homem negro dançando no meio da rua. De repente, um carro da polícia bate em outro carro atrás dele, e ele começa a subir para o céu. Numa época em que questões de raça são mais urgentes do que nunca, esse vídeo alude ao espectro da brutalidade policial sem criticá-lo ou objetificá-lo explicitamente. O objetivo aqui é começar uma conversa; Murai evita a pregação, permitindo que a arte do vídeo fale por si.

Earl Sweatshirts: “Chun”

Neste clipe monocromático, a escolha da iluminação faz Earl parecer como se estivesse em um sinistro anos 50 – Murai cita Touch of Evil, de Orson Welles, como fonte de influência para as filmagens – e constrói um mundo de cabeça para baixo num estacionamento vazio e um futuro distópico. Earl é mostrado indiferente ao ambiente, numa metáfora sutil a monótona de suas falas sobre seu pai distante e a sua relação comturbada com a mídia. Ao escolher apenas alguns pontos focais, Murai permite que a música respire, uma marca de seu amadurecimento e conexão com seus temas.

Childish Gambino: “Sober”

Numa noite fria em um restaurante, o cantor e rapper observa uma mulher bonita em uma mesa próxima. Enquanto “Sober” toca no restaurante, ele se levanta e começa um tipo de dança de acasalamento, tentando atrair a mulher. Tal como acontece com grande parte do trabalho de Childish Gambino, é ao mesmo tempo cómico e de tirar o fôlego. Quando você acha que é tudo uma piada, ele encerra com alguns passinhos de dança muito legais.

Childish Gambino: “This Is America”

No dia 5 de Maio de 2018, o videoclipe de “This Is America” foi ao ar no YouTube e rapidamente quebrou a internet. Não é apenas um videoclipe super produzido de algum astro do pop atual. É mais que isso. O clipe que já conta com 400 milhões de visualizações, aborda de forma escancarada, o porte de armas nos EUA e a violência contra os negros norte-americanos. Tudo embalado num trabalho intenso, cheio de simbolismo e deboche, num dos poucos videoclipes realmente importantes para a história do audiovisual.

João Paulo Porto

Criador do site 1001 Videoclips e apaixonado por The Smiths.